Pronunciamento em homenagem ao Papa Bento XVI por Dom Luiz Carlos Dias

Da Redação – 04/01/2023

 

Por ocasião da missa de exéquias na Catedral de São Carlos

 

A Igreja entristecida vela o corpo do Papa emérito, Bento XVI, falecido no final do ano passado. Ele nasceu em 16 de abril de 1927, numa Vila da Baviera alemã, e foi batizado com o nome de Joseph Aloisius Ratzinger. Em 1939 ingressou no seminário, e passados alguns anos vieram as ordenações, diaconal em 1950 e a presbiteral em 1951. A nomeação e plenitude da Ordem sacerdotal ocorreram no ano de 1977, em Munique, Alemanha, quando assumiu o arcebispado de Munique e Frising, e nesse mesmo ano tornou-se Cardeal, designado por São Paulo VI.

 

Poucos anos após, em 1981, São João Paulo II escolheu o Cardeal Ratzinger para o cargo de Prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, no qual serviu até a morte desse pontífice. No Conclave, após os funerais do Papa polonês, sua eleição como Bispo de Roma e Sumo Pontífice parecia a mais plausível e não demorou a ser eleito pelo Colégio Cardinalício. E, no dia 19 de abril de 2005 a Igreja já tinha um novo Papa sendo apresentado à Igreja e ao mundo em São Pedro. Faleceu aos 95 anos de idade, longevidade que o tornou testemunha de grandes eventos ocorridos no período, na trajetória das nações e da Igreja Católica.

Seu pontificado se estendeu até 28 de fevereiro de 2013, quando oficializou sua renúncia, deixando estarrecida a catolicidade e intrigada a sociedade. Aquele ato inesperado surpreendeu por se tratar da renúncia de um Papa, e sucessor de São João Paulo II, que permaneceu na função papal por longos anos, mesmo acometido por grave enfermidade. Por esse motivo, ninguém esperava por aquele gesto de Bento XVI. Para além da renúncia, esse Pontífice, certamente passará à história, como um grande teólogo. A coleção com sua obra completa, em alemão, englobando artigos, livros e conferências, soma 21 volumes, com média entre 700 e 800 páginas. No entanto, não é o volume que impressiona, mas sobretudo a qualidade dos escritos. O Papa Bento XVI, era considerado um dos maiores intelectuais vivos.

Ele atuou como perito do Concílio Vaticano II, e após este evento, fundou com os respeitáveis teólogos Hans Von Balthasar e Henri De Lubac a Revista Communio, que se tornou referência num momento de incertezas teológicas no pós Concílio. E mesmo tendo sido professor de teologia fundamental, se destacou pelas reflexões no âmbito da eclesiologia, enfatizando o Vaticano II, mas também pela cristologia, com destaque para as três obras relativas à infância de Jesus de Nazaré. Pela relevância de sua trajetória teológica, muitos o situam entre os maiores pensadores da Igreja.

A sua aptidão teológica, aliada às suas posições cuidadosas e sensatas, foram qualidades importantes para ser conduzido ao cargo de Prefeito da então Congregação para a Doutrina da Fé, onde serviu a Igreja entre 1981 a 2005, vindo a ser, certamente, o principal colaborador de São João Paulo II. Com a serenidade que lhe era peculiar, enfrentou grandes polêmicas teológicas e pastorais que pululavam no seu período à frente da Congregação para a Doutrina da Fé, como a relativa à Teologia da Libertação, desenvolvida na América Latina.

Entronizado como Bispo de Roma e Sumo Pontífice em 24 de abril de 2005, aos 78 anos de idade, logo de início deixou a marca de sua espiritualidade, ao dizer que Deus escolhe instrumentos insuficientes para a realização de sua obra salvífica, e se apresentou como “humildade servo da vinha do Senhor”. Essa frase expressa o coração humilde de um grande homem e teólogo, que não obstante a percepção de sua pequenez, não recusou nenhum serviço a ele pedido pela Igreja, mesmo os mais desafiadores.

O pontificado do sucessor e colaborador próximo do grande São João Paulo II, pode ser definido como de continuidade, pela estreita proximidade entre ambos e por compartilharem perspectiva semelhantes do ponto de vista doutrinal e pastoral. No entanto, Bento XVI foi se deparando com a mudança de contextos, e alguns temas foram ganhando relevância, como o abuso sexual contra menores e o carreirismo eclesiástico. Diante disso, propôs uma Igreja liberta de amarras de privilégios econômicos e políticos para ser sinal no mundo e iniciou um processo de revisão das normas referentes aos casos de abusos sexuais. Ele estava convencido de que os maiores empecilhos para a Igreja cumprir sua missão provinham de pecados internos.

Em seu pontificado percebe-se ainda a sua preocupação com os desafios impostos pelos novos tempos, caracterizado por mudanças profundas na sociedade que se afastava cada vez mais das suas raízes no Ocidente, no âmbito da antropologia, na religiosidade das pessoas e no crescimento do laicismo. Nesse contexto, o fio condutor de sua pregação foi o amor de Deus.

Deus Caritas est foi sua primeira Encíclica, e logo no início diz que o cristianismo parte do encontro com uma pessoa, Jesus Cristo, não de uma ideia ou moral com deveres. É o amor que aperfeiçoa a justiça e pode levar uma pessoa a se abrir ao irmão e lhe oferecer do que tem, para suprir suas necessidades. Assim, partindo da fé, propunha uma esperança que salva concretamente a todos, do ponto de vista pessoal ou social.

Após quase 8 anos de pontificado, apresentou sua renúncia, ao perceber-se sem as forças necessárias à exigência do cargo, gesto que foi difícil de ser compreendido e assimilado naquele momento. No entanto, um justo discernimento deste fato, demonstra que Bento XVI, mesmo ocupando os mais altos cargos eclesiais, permaneceu um homem despojado, não afeito a privilégios ou cargos, um autêntico servidor. Um sinal gesto emanado de sua fé incondicional em Jesus Cristo, ao qual devotou suas últimas palavras, proclamando seu amor Àquele que foi a razão de seu viver.

Com sua renúncia, houve uma inevitável releitura do papado, agora entendido ainda mais como um cargo a serviço da Igreja e da humanidade sob a condução do Espírito Santo. Trata-se de uma percepção mais adequada a um título recebido pelo Papa desde os primórdios da Igreja – “Servo dos Servos”.

Roguemos confiantes no Mistério Pascal de nosso Senhor Jesus Cristo pelo sufrágio do Papa Emérito Bento XVI, e que do céu, ele interceda pela fidelidade da Igreja à sua missão. E que o corpo eclesial se edifique tanto com as virtudes do Papa emérito falecido, como com o seu legado teológico.

Que assim seja, para o louvor do Senhor Jesus!

 

São Carlos, 02 de janeiro de 2023

 

Dom Luiz Carlos Dias

Bispo da Diocese de São Carlos