Moçambique: O rosto missionário da igreja no Brasil na realidade do povo da região norte do país africano

Já são 26 anos de presença missionária de brasileiros na Arquidiocese de Nampula, em Moçambique, norte do país africano. Desde 1995, missionários enviados pelo Regional Sul 3 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), que reúne toda a Igreja do Rio Grande do Sul, atuam no Projeto Igrejas Solidárias, entre sacerdotes, religiosos e religiosas, leigos e leigas.

O projeto que tem sede no Distrito de Moma, zona litorânea da Província de Nampula, atualmente conta com dois padres e duas jovens e tem como principal preocupação a experiência de uma missão encarnada na realidade do povo.

A missionária Victória Holzbach, da Arquidiocese de Passo Fundo (RS), foi enviada em setembro de 2016 pelo Regional Sul 3 para integrar a equipe missionária de Moma, onde ficou até 2019.

“Já há mais de um ano da minha volta, ainda vivo o desafio de conviver com a saudade daqueles e daquelas que deixei lá. Estes quase três anos de missão me ensinaram coisas que ainda não sei medir ou traduzir em palavras. Lembro como se fosse hoje: quando cheguei fui recebida com cantos, batuques, palmas e sorrisos de toda a comunidade. Minha primeira impressão foi a alegria desta acolhida. Cada mão estendida nos lugares que chegava me ajudou a compreender que minha vida era útil e ganhava sentido no olhar curioso daqueles que me acolhiam”, relata Victória.

O Projeto Igrejas Solidárias também é responsável por duas paróquias na região. São Miguel Arcanjo, em Micane e São Paulo Apóstolo de Larde, que somam juntas mais de 150 comunidades. Nas duas, a principal função dos missionários é trabalhar a formação de lideranças dos diversos ministérios como saúde, mulheres, ritos femininos e liturgia.

Daniela Sampaio Gamarra, também do Rio Grande do Sul, é outra missionária enviada pelo Regional Sul 3. Ela esteve em Moçambique de outubro de 2012 à outubro de 2016.

“Foi um tempo muito importante para minha vida. A missão Ad Gentes às vezes parece estar muito distante do serviço pastoral para uma leiga ou de um leigo, e quando a gente se vê participando de um projeto assim, inevitavelmente começamos a perceber melhor, a partir da vocação específica de cada um, o que é ser cristão, o que é ser católico, e como pode ser a minha contribuição dentro da missão de Jesus Cristo”, ressalta.

Daniela conta ainda que uma das grandes conquistas deste projeto é a aproximação das duas realidades e é uma possibilidade de testemunho da fé em Cristo que rompe fronteiras e possibilita compartilhar a vida que se expressa na cultura, na religiosidade, no serviço, etc. nos diferentes povos.

Já a missionária Victória aponta como conquista a formação de muitas lideranças leigas e a animação vocacional de jovens moçambicanos a vocação sacerdotal.

“Esse processo garantiu a formação de muitas e grandes lideranças leigas, capazes de manter a Igreja viva e ativa independente da presença do padre ou da equipe missionária. Também no atendimento pastoral, outro destaque é a promoção de processos e espaços para o amadurecimento e discernimento vocacional. Isso faz com que, nestes 26 anos, tenhamos cerca de 22 seminaristas diocesanos e religiosos e um padre já ordenado”, destaca.

Moçambique também conta com missionários na diocese de Pemba. A missão é organizada pelo Regional Sul 1 da CNBB, que compreende o estado de São Paulo (SP). Depois de alguns anos de preparação, em 2018, foram dados os primeiros passos com o processo de conscientização missionária, campanhas de ajuda solidária e o envio dos primeiros missionários e missionárias.

O casal César e Rosani Campos foram um dos primeiros a embarcar para esta missão. Eles ficaram somente 9 meses em Moçambique e tiveram retornar ao Brasil por causa da pandemia.

“Neste pequeno período que ficamos lá, aprendemos muito com aqueles nossos irmãos e o principal aprendemos a amá-los como eles são. Uma experiência marcante foi: por volta de meia noite, chovia muito, recebemos uma ligação de uma pessoa que chorava, dizendo que havia “partido a perna”, a ligação era muito ruim e eu não conseguia identificar quem estava falando, até que consegui identifica-lo, era o secretário da paróquia que havia quebrado a perna e precisava de ajuda, chamei Padre Adriano, nós morávamos na mesma casa, e saímos de carro para socorre-lo, não sabíamos exatamente onde ficava a casa do secretário, mas conseguimos encontra-la, com a ajuda de seu filho e de um vizinho o colocamos no carro e fomos ao hospital de Metoro, que estava simplesmente alagado e abandonado. Tivemos que ir a outro hospital em uma cidade vizinha, mais ou menos 30 km. de distância, e lá com a graça de Deus havia atendimento. O secretário ficou internado, chegamos em casa por volta das 3:00h. e eu pensava em duas coisas: 1o o risco de contaminação, andando pela água no hospital e 2o o que seria desta pessoa se não houvesse ninguém na missão de Metoro? Mas passamos bons momentos com eles, pois aprendemos o quanto eles são alegres, apesar de tanta dificuldade”, relata César.

O casal acrescenta ainda que hoje o rosto deste projeto do Regional Sul 1, é estar ao lado do povo que sofre, deixando o pouco que tem para salvar sua vida. “Representa o esforço de toda Igreja em tornar o mundo mais fraterno”, disse.

Para Victória a grande lição enquanto missionária é ter a certeza que “o melhor lugar do mundo é onde eu posso amar e ser amado. E a simplicidade dá mais espaço ao amor. Ele precisa de pouca coisa para existir a não ser da vontade e do compromisso das pessoas. O amor compromete, e isso é mesmo lindo”.

Já Daniela diz que o rosto que o projeto inspira é o de uma Igreja movida pelo Evangelho e pela compaixão para com todos. “Uma Igreja que olha para as necessidades de uma Igreja irmã, que se compadece e vai ao seu encontro, compartilha o que têm que oferece, mas que muito mais recebe. Ele é um bonito testemunho da abertura para a missão Ad Gentes para a Igreja no Brasil, que pode provocar outros regionais a darem o mesmo passo como sonha o Programa Missionário Nacional”, aponta.

Manutenção

Mas, para realizar essas missões são necessários muitos esforços das Igrejas de São Paulo e Rio Grande do Sul. Dentre as dificuldades para a realização do projeto está a questão da sustentabilidade, tanto financeira como pessoal, no sentido da disponibilidade de missionários principalmente padres diocesanos. Além dos dialetos, embora a língua oficial do país seja o português, só falam português aqueles que vão as escolas.